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No Brasil, um fenômeno silencioso está sacudindo o mercado de trabalho: muitos trabalhadores estão se afastando dos contratos regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Enquanto isso, empresas enfrentam dificuldades para preencher milhares de vagas abertas nos setores de construção civil, indústria, supermercados e padarias. Com isso, parte delas opta por soluções tecnológicas — entre elas, robôs — para suprir a falta de força de trabalho.
Setores sob pressão
Construção civil
Uma pesquisa da Grua Insights, com 139 construtoras, revelou que 76% precisaram rever prazos de obras devido à falta de trabalhadores. Para mitigar os efeitos, 74% das empresas elevaram salários e benefícios, mas nem isso foi suficiente para atrair pessoal qualificado.
Comércio atacadista
Segundo a FecomercioSP, a permanência média de trabalhadores caiu de 28 meses em 2010 para 26 meses hoje no setor atacadista. Empresas relatam dificuldade crescente de reter colaboradores, mesmo com incentivos salariais.
Supermercados e padarias
Estima-se um déficit de 350 mil trabalhadores no setor supermercadista. Padarias relatam falta de mais de 100 mil profissionais para as operações diárias. Em alguns casos, redes já instalaram robôs para atendimento e delivery em unidades onde não há candidatos disponíveis para os postos.
Motivações por trás da rejeição
- Flexibilidade e autonomia: Muitos trabalhadores optam por funções como motoristas de aplicativo, entregadores ou outras ocupações informais que permitem escolher horários e evitar hierarquias fixas.
- Salários líquidos baixos: Há casos relatados de trabalhadores que preferem permanecer informais ou autônomos porque, mesmo com ganhos brutos menores, recebem mais após descontos da CLT — que corroem o rendimento líquido.
- Exigências desproporcionais: Vagas formais frequentemente demandam altos níveis de qualificação (várias línguas, formação acadêmica, experiência), mas oferecem remunerações incompatíveis com essas expectativas.
- Encargos elevados para os empregadores: Os custos trabalhistas e tributários pesam no projeto de contratação formal, reduzindo a capacidade das empresas de oferecer salários competitivos e benefícios mais atraentes.
Impactos já visíveis
- Atrasos e encarecimento de obras: Com menos operários, cronogramas são estendidos e orçamentos estouram.
- Automação forçada: Em diversas empresas, automação e robôs já substituem etapas antes ocupadas por humanos.
- Instabilidade e custos elevados: A rotatividade constante gera custos extras com recrutamento, treinamento e adaptação.
- Fragmentação do mercado de trabalho: Surge uma divisão crescente entre o emprego formal e informal — com a formalidade perdendo terreno.
Vozes da sociedade
Trabalhadores entrevistados relatam que, sob o regime da CLT, os descontos e encargos transformam salários em valores líquidos muito mais baixos. Em alguns casos, um profissional pode preferir trabalhar informalmente e receber mais do que em emprego formal. Há também críticas de que as empresas pedem qualificações elevadas, mas oferecem salários muito abaixo do valor de mercado.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) alerta que a precarização do trabalho formal empurra cada vez mais brasileiros para plataformas digitais e modelos informais. Segundo representantes sindicais, a CLT precisa evoluir para acompanhar as novas expectativas do trabalhador moderno.
Caminhos possíveis
Para enfrentar o desinteresse formal, especialistas e entidades propõem:
- Programas internos de formação e capacitação contínua;
- Planos de carreira reais e claros;
- Reformas regulatórias que tornem o regime formal mais flexível, sem perdas de direitos;
- Incentivos fiscais para empresas que investem em tecnologia, valorização salarial e ambientes de trabalho modernos e atrativos.
A rejeição à CLT não é apenas uma escolha individual — é um sintoma de desalinhamento entre expectativas trabalhistas contemporâneas e um modelo formal que permanece rígido. O país se encontra em um momento decisivo: adaptar o emprego formal ao novo cenário ou conviver com um mercado cada vez mais dual e fragmentado.